algumas palavras sobre saída, novo álbum do marcelo callado
por nina becker
as paredes da casa do marcelo são lotadas de lembranças. placas de rua, postais, fotos, desenhos fortuitos e posters de amigos, pinturas da nossa filha, cora, fragmentos de camadas de tempos diversos. chama atenção, espetado em uma cortiça, um retrato preto & branco de um adolescente em seus 13 anos tocando bateria. esse adolescente não é o marcelo e, mesmo que pela incrível semelhança física se faça crer que sim, o aparentemente hábil baterista da foto é seu pai, tasso.
não é a única coisa que eles têm em comum. ombros, ao que parece, iguais. daí vemos camisas de linho e casacos bem organizados em cabides. as roupas de seu pai lhe vestem bem - e também seus chapéus, cachimbos, livros, discos, dizeres e tiradas inesquecíveis. marcelo naturalmente veste essas roupas e toca esses discos na sala de sua casa, que tem cortinas também de linho e móveis de madeira escura, como a de seus cachimbos.
o som das suas músicas são como a sua sala, uma riqueza de camadas extemporâneas, algo que ele faz sem esforço, porque são matéria constituinte do seu ser. embora vejamos claramente a influência da música dos anos 60/70 nas suas canções, ele foge à simples reverência copiadora dos modos de outras gerações e não cai na armadilha de se apropriar de meios de produção para adicionar essas camadas artificialmente a escolha consciente por construir um ambiente sonoro mais seco e descomplicado, como se fosse um ensaio na sua sala extemporânea, costuma estar presente na sua obra como uma ideia clara de priorizar a força da canção. em seu novo disco, saída, ele equilibra tudo permitindo que a pura potência das composições sejam o principal assunto. sim, em 2020, callado é um compositor brasileiro que não tem medo da canção. e tudo é muito simples em oferecer a clareza de suas melodias e letras, temas e imagens.
em saída ele reafirma uma intenção que, em conversas informais entre amigos, costumamos chamar de foda-se. o foda-se como um elogio da espontaneidade, de como não se perder no que é supérfluo, de acreditar que em certos casos o verniz formal não valoriza uma canção ou um objeto; o foda-se como qualidade suprema, que ele refina com o tempo, transformando qualquer possível imperfeição em recurso poético. marcelo não titubeia, vai no que para ele é o certo. não à toa é um compositor prolífico, porque não tem tempo para inventar moda e se distrair com isso. seu tempo não vem de outro lugar, porque ele é só seu.
tudo é natureza, canção que abre o disco, sintetiza esse movimento direto, onde o clamor existencial da vida é imperativo. essa assertividade também surge em verso vivo, onde sentimos concretamente a textura do aço das cordas nas linhas ritmadas das guitarras, mas isso não enfraquece de modo algum a delicadeza das suas construções, de sua poesia e conexões afetivas presentes em seus versos, como em assis bueno 37, onde narra momentos de convívio com a sua avó, ou na esperta borboletas, ao mesmo
tempo séria e bem-humorada parceria com ava rocha.
o disco todo revela um tipo de textura típica onde já se reconhece o marcelo, na forma como costura as guitarras com a bateria, como em toque de mãe, e em como sempre vem trazendo também frescor aos
arranjos e formas com a participação de artistas de gerações mais novas que a sua. se afirma também a sua voz cada vez mais precisa, em timbre médio, sem trejeitos ou maneirismos. marcelo canta como fala, sem dar voltas.
mais do que em seus trabalhos anteriores, e especialmente nesse último trabalho, saída se apresenta como um disco redondo, onde marcelo cria, mesmo se valendo de diversas parcerias, um contorno bem definido de climas, temas, vozes e timbres, o que torna a audição em forma de álbum prazerosa e inevitável e acaba sendo uma resistência natural ao modo fragmentado de audição do mundo atual e seus novos formatos.
um lindo vôo para o marcelo e para essas canções!
Ouça também nas principais plataformas de música.
credits
released October 2, 2020
Produzido por Marcelo Callado
Mixado por Iuri Brito
Masterizado por Cacá Lima
Gravado por Marcelo Callado no Vovó Estúdio (RJ) entre março e agosto de 2020
Exceto:
Vozes da Silvia Machete gravadas por Dudinha no Buena Família Studio (SP)
Guitarras da Karin Santa Rosa gravadas por Marcelo Santa Rosa no Estúdio
Capitania do som (Cabo Frio - RJ)
Flautas do Vovô Bebê gravadas por ele mesmo no Estúdio do Vovô (RJ)
Guitarras do Caio Paiva gravadas por Gael Sonkin na casa do Vitor Paiva
Baixo da Ana Frango Elétrico gravado por ela mesma no Eletric Chicken Enterprise Studios
Guitarras, baixo e vozes do Paulo Emmery, gravados por ele mesmo em sua casa.
Cello do Moreno Veloso gravado por ele mesmo no estúdio Casinha
Guitarra do Iuri Brito gravada por ele mesmo.
Todos os instrumentos tocados por Guilherme Lírio, gravados por ele mesmo.
Percussões de Rodrigo Maré gravadas por ele mesmo no Estúdio Maré
Percussões de Pedro Fonte gravadas por ele no Estúdio Fonte
Teclados da Raquel Dimantas gravados por Kelly Diamond no Kelly Diamond Productions
Guitarras do Pedro Sá gravadas por ele mesmo
Equipe capa:
Design: Paula Delecave
Pintura: João Rivera
Foto da pintura: Nelson Monteiro
Foto do Marcelo Callado: Cora Becker
Agradecimentos:
Rosa Barroso, Ava Rocha, Pedro Sá, Daniel Gnattali, Bruno di Lullo, Bem Gil e Pedro Montenegro, Iuri Brito, Mauricio Tagliari, Cacá Lima, Silvia Machete, Guilherme Lírio, Paulo Emmery, Ana Frango Elétrico, Caio Paiva, Raquel Dimantas, Rodrigo Maré, Pedro Fonte, Moreno Veloso, Karin Santa Rosa e Vovô Bebê, Cora Becker, Heloisa Helena Callado, João Rivera, Paula Delecave, Nelson Monteiro e toda família Rivera Monteiro, Benoni, Nina Becker, Duda Mello, Igor Ferreira, Martin Scian, Marcos Thanus, Pedro Azevedo, Gustavo Benjão, Ricardo Dias Gomes, Gabriel Mayall, Renato Martins, Moema Pombo, Pedro Lago, Felipe Demier, Alice Sant'Anna, Fabiana Comparato, Lis Kogan, Bruna Pina, Dyonne Boy, Sarah Abdala e POMAR, Build Up Media, Estevão Casé, Dado Villa Lobos e RockIt!, Beth Araújo, Marisa Gandelman e Evelyne.
Sou o Marcelo e toquei e toco bateria com: Caetano Veloso, Jorge Mautner, Branco Mello, Nina Becker, Silvia Machete, Alice
Caymmi, Ava Rocha, Kassin, Canastra, Rubinho Jacobina, Lafayette & Os Temendões, Lucas Santtana, Jonas Sá, Arnaldo Antunes, Zé Bonitinho, Domingos de Oliveira, Do Amor, Carne de Segunda…….
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